Transição de carreira: veja como conquistar o emprego dos sonhos
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Quando estava prestando vestibular, Rejane Toigo, de 48 anos, passou pelo mesmo sofrimento da maioria dos adolescentes: não sabia qual carreira escolher. Ela estava na dúvida entre Farmácia e Odontologia. “Minha família achava que odonto era o melhor negócio, por ser uma carreira tradicional.” E lá foi Rejane se tornar dentista. Depois de formada, abriu um consultório em Caxias do Sul (RS), sua cidade natal. Mas a insatisfação com a escolha profissional a corroía por dentro.
Em 2001, a dentista se mudou com o namorado (e atual marido) para Garopaba, em Santa Catarina. O plano era transferir o consultório para lá, mas, como a mudança aconteceu no final do ano, ela não encontrou nenhum espaço disponível para alugar. Para não ficar parada, passou a ajudar no gerenciamento da loja de roupas do namorado. Era o fim da Dra. Rejane. Ela gostou tanto da oportunidade de trabalhar com comércio que nunca mais atuou como dentista.
Em oito anos, Rejane abriu outras cinco lojas e duas franquias. Mas não soube preparar a operação para o avanço do e-commerce ao longo do início do século, e os negócios começaram a sofrer. “Na época, eu achava que não sabia fazer nada, porque tinha feito odonto e não deu certo. Depois montei uma loja e comecei a ter problemas financeiros.”
Foi quando Rejane decidiu fazer um MBA em Marketing para entender como poderia salvar as lojas. Ela já estava encantada pela área, até que começou a estudar marketing digital. Finalmente tinha se encontrado. Em novembro de 2010, ela fechou as lojas, fez um curso de produção de conteúdo para o Facebook e, três meses depois, começou a trabalhar como social media para agências de publicidade. Hoje, ela tem uma empresa de marketing digital.
Rejane é uma das muitas pessoas que precisaram parar e repensar a profissão. Um levantamento da empresa de pesquisa Scoop & Co mostra que 63% dos profissionais brasileiros já mudaram de carreira. E que 48% consideravam mudar de ramo nos próximos 12 meses (o estudo é de 2020).
O problema começa lá atrás, na hora do vestibular. A pressão por decidir a carreira de uma vez, sem ter maturidade nem vivência profissional em qualquer área, é um prato cheio para decisões erradas. Aí é comum dar Ctrl+C Ctrl+V na carreira dos pais, seguir por um caminho que a família ache mais seguro, ou na matéria da escola em que você tinha mais facilidade. Muitas vezes dá certo, claro. Mas a frustração, pelo que os números dizem, não é exatamente um fenômeno raro. É assim que começa a síndrome do domingo à noite, quando bate aquela ansiedade só de imaginar que uma nova semana de trabalho está começando.
Não é só isso. Aquela ideia de carreira linear, na qual você se forma, arruma um emprego numa grande companhia, trabalha na área a vida inteira e depois se aposenta já não faz mais parte da realidade. O mercado de trabalho está cheio de profissionais que não atuam no que se formaram.
Se você quer ser um deles, veja como fazer uma virada na carreira.
Por onde começar
Mudar de profissão não é igual receita de bolo. Não existem regras mágicas para obter o doce perfeito, mas delinear os passos básicos pode ajudar. Primeiro, faça uma autoavaliação. “Você precisa ser muito realista e entender exatamente o que está incomodando na carreira. É a rotina? Os resultados alcançados? A decisão profissional foi errada? Se você não tiver clareza sobre isso, vai entrar em um círculo vicioso em busca da tal realização pessoal”, afirma a psicóloga Fernanda Tochetto, especialista em carreiras.
Uma dica é montar uma retrospectiva da vida profissional, listando os motivos que te levaram a escolher sua carreira atual e as atividades que você realizou. Assim dá para identificar se existe algum problema ou insatisfação que teima em se repetir.
Feito isso, chegou a hora de pensar na nova carreira – e criar mais uma lista. A ideia é ter em mente qual é a área que você quer seguir, pontos positivos e negativos do setor, as habilidades técnicas e comportamentais que você já tem e as que precisa desenvolver. Também é preciso pensar no retorno financeiro que você espera, no tipo de empresa que gostaria de trabalhar, e se essas companhias estarão alinhadas aos seus objetivos. Se o que te deixa insatisfeito é a falta de tempo para ficar com a sua família, não faz sentido trabalhar em um lugar que exige plantões nos finais de semana. Mesmo que seja na empresa dos seus sonhos.
Depois que você já sabe claramente em qual área quer investir, o segundo passo é ter contato com o setor e buscar qualificação. Mas calma, porque nem sempre o ideal é já sair se matriculando em uma faculdade. Nem é o mais indicado. Para evitar uma decisão precipitada, procure primeiro por cursos gratuitos, vídeos no YouTube sobre o dia a dia da profissão, workshops, palestras e eventos da área.
Aproveite essas atividades para formar uma rede de networking. Conhecer gente da nova área é fundamental: as pessoas precisam saber que você está a fim e aberto para oportunidades. “Mas cuidado. Você pode se queimar se não fizer isso direito. Comece com quem você tem mais proximidade, para depois aumentar a rede. E nunca aja como se só estivesse entrando em contato porque precisa de um emprego”, afirma Paola Dazzan, gerente da Prática de Transição de Carreiras da empresa de recrutamento LHH.
Também não saia simplesmente distribuindo o CV aos quatro ventos – isso só vai gerar um monte de entrevistas de emprego furadas, e-mails não respondidos e mais frustrações. Faça um mapeamento do mercado para ser assertivo: liste no LinkedIn e nos site de vagas as empresas que fazem mais sentido para você. Quando vier a entrevista de emprego, explique por que decidiu fazer a transição e como se preparou para isso.
E lembre-se: a transição de carreira é um processo demorado e que pode gerar insegurança. Você precisa se preparar emocionalmente para lidar com o estresse e a ansiedade. “Nem tudo está sob o seu controle. Nem sempre tem uma vaga disponível, nem sempre o curso vai ser legal”, lembra Dazzan.
Dinheiro no bolso
Transição profissional e planejamento financeiro também devem andar juntos. Afinal, você vai precisar investir em uma nova capacitação e talvez dê alguns passos para trás na carreira. Um advogado sênior que quer mudar para a área de logística, por exemplo, não vai conseguir um cargo compatível com a posição atual. Provavelmente terá de recomeçar como analista.
Aqui não tem segredo: é pegar um lápis e anotar todos os gastos, investimentos e custos que podem ser reduzidos. Se for necessário investir em uma nova graduação, então faça as contas para saber se vale a pena juntar dinheiro para pagar as mensalidades ou se consegue trabalhar enquanto estuda. Também tenha uma reserva financeira para segurar as pontas nesse começo da nova carreira, na qual a remuneração é menor. E lembre-se: você não sabe quanto tempo a transição pode levar de fato. Então pense em montar uma reserva financeira para passar pelo menos um ano sem ter de reduzir seus gastos drasticamente.
Todo esse planejamento ajudou Jenifer Spinoza. A paulistana, de 32 anos, se formou em comércio exterior e trabalhou na área durante oito anos. Ela até gostava do seu trabalho, mas os colegas começaram a incentivá-la a seguir para o setor de tecnologia. “Eu gostava de lógica, fórmulas e trabalhava muito com Excel. E os meus amigos começaram a perguntar se eu não gostaria de aprender a programar.”
Jenifer ficou com uma pulga atrás da orelha e, em 2014, fez um curso intensivo de Javascript, uma linguagem de programação. Depois do curso, que durou três meses, ela percebeu que o comércio exterior já não fazia mais sentido para a sua carreira. Mas não dava para jogar tudo para o alto. Jenifer continuou fazendo alguns cursos livres na nova área e passou um ano juntando dinheiro para sair do trabalho e se dedicar somente aos estudos. Em 2016, ela deixou o emprego antigo e começou oficialmente sua nova carreira.
E, claro, o começo não foi fácil. “Consegui uma vaga em uma empresa de tecnologia, mas eles acabaram me jogando para trabalhar com um sistema que eu já mexia antes, que era o SAP, sendo que eu queria atuar com coisas novas.” Em maio de 2017, ela finalmente conseguiu um trabalho como desenvolvedora de uma startup, e passou também pelo C6 Bank. Agora, vai completar um ano na ThoughtWorks.
Sem idade para mudar
Você não precisa ser jovem para cogitar uma virada. “Quando a gente olha os dados de longevidade e os avanços da medicina, percebemos que os profissionais com mais de 50 anos estão extremamente ativos. O mais importante é a pessoa estar aberta para novas experiências e se mostrar atualizada”, diz Paola Dazzan, da LHH.
Dá até para encarar a idade como uma vantagem, em certos aspectos. Afinal, você já passou por vários cargos, teve contato com outras áreas e sabe melhor o que gosta ou não gosta de fazer. A rede de networking acumulada ao longo dos anos também ajuda a abrir as portas para novas oportunidades.
Mas essa é uma visão edulcorada da história. Nem sempre a transição profissional é uma escolha. Muitas vezes, mudar de área é a única solução para alguém com mais de 40, 50 ou 60 conseguir trabalho.
Outro problema que afeta os menos jovens são as mudanças do mercado de trabalho – certos cargos, antes tradicionais, simplesmente deixam de existir. Kely Caires, de 49 anos, passou por isso. A paulistana se formou em Letras em 1992, mas já sabia na faculdade que estava na área errada. “Durante o curso, a gente precisava fazer visitas em escolas e eu percebi que não tinha o dom para lecionar. Apesar de não me identificar com a carreira de professora, terminei a graduação.”
Kely trabalhava como secretária em um banco para pagar a faculdade e teve a chance de se manter na área, principalmente porque o seu curso de Letras era com especialização em inglês, e o segundo idioma era raro na época. Então fez um curso de secretariado executivo e trabalhou com isso por 30 anos.
Há três anos, ela decidiu mudar de profissão. “Aceitei uma vaga de analista na área de segurança da informação, porque o cargo de secretária executiva começou a ser extinto. Graças à tecnologia, os gerentes e executivos do banco estão cada vez mais independentes. Eles mesmos estão tomando conta das agendas.”
A virada veio sem que houvesse uma mudança de empresa. A oportunidade surgiu no próprio banco onde ela trabalha há 24 anos, o Itaú. Por enquanto, Kely não fez nenhum curso específico em segurança da informação. Passa por treinamentos de curta duração oferecidos pelo banco e vai aprendendo a atividade no dia a dia. Mas ela não quer ficar parada. “Eu estou me planejando para estudar e me especializar na área. Vou fazer o que for preciso para me manter no mercado.”
Para dar certo
O que fazer para que a virada na sua carreira seja mais suave.
- Autoconhecimento: Por que você quer mudar de trajetória? Saber se é por falta, salário, prazer ou qualidade de vida é o que vai guiar os próximos passos da transição. Faça uma reflexão e liste o que gosta ou não da atual profissão, as habilidades nas quais é bom, o que você precisa desenvolver e quais são as suas expectativas com a nova área.
- Educação: Liste as habilidades técnicas e comportamentais que você adquiriu durante a sua carreira. Elas não deixam de existir na nova área. Quando decidir qual será a nova profissão, procure por cursos que possam melhorar as suas qualificações. Dica: não vá direto para uma graduação. Comece com cursos de curta duração.
- Finanças: Eis a etapa mais importante. Não comece nada sem fazer um planejamento financeiro antes. Anote todos os gastos atuais e o que pode ser cortado; também calcule o quanto você vai precisar investir em qualificação. E tenha uma reserva para o início da nova carreira, já que provavelmente você vai recomeçar ganhando menos.
- Networking: Ter contatos na nova área é importante para ajudar a conhecer o setor, receber dicas sobre a carreira e conseguir oportunidades de emprego. Comece a conversar com pessoas que já conhece. Também minere no LinkedIn, e procure por eventos, palestras e workshops para fazer mais contatos.
- Paciência: Planejar ajuda, mas não faz milagres. O processo tende a ser demorado, e nunca vai rolar exatamente aquilo que você previu. Controle as emoções e não tome decisões sem pensar – como escolher uma empresa com a qual você não se identifica ou um cargo muito aquém das suas capacidades só para não perder a oportunidade de virar a mesa.
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