Euforia puxa PIB, mas desaceleração está a caminho, diz economista-chefe do Citi
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Para uma economia que ameaçava crescer quase nada em 2022, a brasileira revela uma tração surpreendente que exige atenção redobrada na checagem das alavancas que impulsionam sua expansão.
Um crescimento tão acelerado pode sugerir que o aperto monetário promovido pelo Banco Central (BC) não está tendo efeito. Mas essa não é a realidade e um fator comportamental já é considerado.
O alerta é de Leonardo Porto, economista-chefe do Citi para o Brasil, para quem o crescimento é alimentado pela euforia dos brasileiros que consomem serviços e é financiada pelo aumento de renda do trabalho e a forte expansão do crédito.
Em entrevista ao NeoFeed, Porto observa que o aumento da Selic já chegou ao crédito e ao spread bancário, mas a atividade parece não ter freio. O endividamento das famílias bate recorde atrás de recorde em um cenário de alta de juros locais e internacionais e de desaceleração global da atividade que afetará o Brasil.
“A euforia tem um custo que pode levar à acomodação da demanda em algum momento”, diz o economista, para quem os efeitos da política monetária e a saturação do endividamento passarão a atuar fortemente nos próximos meses. E explicam a perspectiva de desaquecimento mais rápido da atividade adiante. O Citi prevê expansão de 2,7% do PIB nesse ano e de 0,3% em 2023.
Porto não tem dúvida de que os maiores bancos centrais seguirão elevando os juros e afirma que é grande a incerteza sobre como ocorrerá o desaquecimento global. De certo, o aumento de juro pelo Federal Reserve (Fed), o BC dos EUA, e a manutenção da Selic pelo Copom nesta semana voltam a comprimir o diferencial de taxa de juro das duas economias – condição que favorece aplicações em títulos americanos.
A eleição brasileira não é alvo de preocupação para o economista, mas a definição de uma âncora fiscal, sim. Porto trabalha com cenário base em que Lula será o próximo presidente da República.
Ele avalia, porém, que eleito Lula ou Bolsonaro, “o teto de gastos vai ser, no mínimo, modificado ou totalmente alterado”. E que haverá aumento de gastos. Para ele, crucial será uma definição sobre o financiamento desses gastos.
Nesse sentido, o Citi aguarda uma âncora fiscal crível, transparente e que não mexa, ou mexa muito pouco, na trajetória da dívida. “Achamos mais provável a vitória de Lula e ele é um pragmático, sabe da importância de ancorar expectativas e não vai querer chegar desestabilizando a taxa de câmbio”, afirma.
Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
O Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) de julho confirmou que a economia cresce forte. Foi uma surpresa?
O IBC-Br continuou mostrando uma expansão extremamente forte e surpreendente. E não só pela resiliência, mas pela aceleração. A economia crescia zero no terceiro trimestre do ano passado, acelerou para um ritmo de 3% anualizado no quarto. Pulou para 4% no primeiro trimestre deste ano e para 5% no segundo. A hipótese que costuma ser citada e que considero frágil é que a política monetária tem efeito defasado. Mas isso não é suficiente para explicar essa trajetória de crescimento, até porque a política monetária, ainda que não restritiva, com o tempo se tornou menos expansionista. Então, há outros fatores atuando.
E quais são esses fatores?
O setor de serviços está impulsionando a economia pelo lado da oferta e o consumo das famílias pelo lado da demanda. E estou cada vez mais confiante de que esse ritmo de expansão está ligado ao maior controle da pandemia e a uma euforia das pessoas em consumir serviços e não bens. As pessoas deixaram de frequentar shows, teatros, hotéis e se voltaram para essas atividades no pós-pandemia. Serviços representam quase 70% do PIB e estão sendo movidos por famílias. A atividade não está sendo puxada por investimentos de empresas ou de governo.
Esse é um efeito da reabertura da economia na área de serviços?
É um efeito de curto prazo. A questão é saber como esse gasto das famílias está sendo financiado. Se há demanda, alguém está pagando. Uma parte desse financiamento é, sem dúvida, a melhora do mercado de trabalho, que resulta em aumento de renda. Há também um aumento sistemático do crédito, que vem crescendo a uma taxa nominal de 22%. Mas também cresce forte o endividamento das famílias, que bate recorde a cada mês. Já está em 53% da renda disponível e o comprometimento da renda, também recorde, está em 27%.
Esses indicadores devem arrefecer?
Estamos em mares antes nunca navegados. Nunca vimos esse nível de endividamento do consumidor e isso exige atenção daqui para frente, inclusive, porque estamos vendo juros crescentes nos empréstimos. O aumento da Selic de 2% para 13,75% já foi transmitido para o crédito. E é bem-vindo. O juro do crédito subiu tanto ou mais que a Selic e os spreads também avançaram.
“Estamos em mares antes nunca navegados. Nunca vimos esse nível de endividamento do consumidor e isso exige atenção daqui para frente”
Mas essa alta não freou a demanda por crédito…
Não freou e isso deveria ter acontecido. A atividade está refletindo um momento específico da vida de todo mundo (uma opção de consumo) que resulta nessa pujança e, portanto, exige um aperto monetário até maior que o esperado. E é o que o BC está fazendo. O aperto começou como um ciclo parcial, virou total, virou contracionista, muito contracionista e a atividade continuou subindo. E não há sinais de desaceleração, como mostrou o resultado do IBC-Br de julho extremamente forte.
Gastos com serviços avançam e nem incluem auxílios do governo…
A pesquisa de serviços mostrou uma alta muito forte, de 1,1% em julho ante junho, semelhante ao IBC-Br, enquanto o varejo caiu 0,7% também na passagem mensal e caiu 3% em cinco meses. Há, portanto, uma preferência do consumidor por serviços, possivelmente em função de uma forte demanda reprimida na pandemia. Os R$ 200 adicionais ao Auxílio Brasil ainda não entraram na conta. Há, então, um componente adicional. Mas devemos considerar que o juro cada vez mais alto tende a frear a demanda e a saciedade pelos serviços também. Além disso, aumenta o risco dos bancos na concessão de crédito. A euforia tem curta duração e, quando acabar, outras determinantes da atividade econômica produzirão seus efeitos.
E quais são esses outros fatores determinantes?
Um deles é o juro real que estava negativo ou zero e hoje está entre 8% e 8,5%, nível semelhante a 2015, quando o Brasil estava em recessão. Outro fator é a desaceleração global em todas as regiões. E o processo desinflacionário está associado à taxa de sacrifício da atividade para que a inflação caia. Os efeitos da política monetária doméstica, a desaceleração global e a saturação do endividamento das famílias são fatores que passarão a atuar fortemente e explicam o desaquecimento mais rápido da atividade a partir do segundo semestre deste ano e no primeiro semestre do ano que vem.
Um dos freios à expansão da atividade pode ser uma postura mais conservadora dos bancos no crédito?
Sim, porque o custo do capital está subindo. Uma coisa é emprestar para uma família quando a taxa de endividamento era de 42% da renda disponível antes da pandemia e agora é de 53%. Esse aumento é precificado no spread, que é a taxa de risco dos bancos. Uma incerteza é até quando o crédito continuará crescendo tão fortemente.
O cenário internacional tem muito peso?
Não há a menor dúvida de que o atual nível de inflação será combatido pelos bancos centrais. O Federal Reserve (Fed) deve subir o juro novamente em 0,75 ponto percentual nesta semana, em 21 de setembro. Nosso time nos EUA vê o juro avançando ao intervalo de 4,25% a 4,50% no início do ano que vem. Hoje, a taxa básica americana está entre 2,25% e 2,50%. O Banco Central Europeu (BCE) também está subindo juro. As exceções, na verdade, são os bancos centrais da China e do Japão. Há incerteza em relação à forma como vai ocorrer a desaceleração global. A gente sempre espera que seja com baixa turbulência, mas o ciclo atual de alta de juro é o maior desde os anos de 1980. E potencializado pelo “quantitative tightening”, que implica na venda de títulos pelos BCs que, no passado, foram comprados do mercado para garantir liquidez. A liquidez vai diminuir.
Como essas variáveis externas batem no Brasil?
Com aumento de incerteza. A elevação dos juros nos países avançados, sobretudo nos EUA, tende a atrair capital para os títulos do Tesouro americano. Para o investidor, é preferível comprar uma treasury de dois ou três anos do que comprar um título de mercado emergente.
Mesmo com um juro real gigante como o brasileiro? A projeção do Citi para juro real em 2023 é de 8,1%.
É claro que aqui já criamos um colchão. Mas desde a última reunião de política monetária, o Fed subiu 0,75 ponto e o Copom subiu 0,50 ponto. A partir desta semana, o Fed deve elevar sua taxa em mais 0,75 ponto e o Copom deve subir zero. Estamos comprimindo o diferencial de taxa de juros entre os dois países a cada reunião. Não acreditamos que teremos mais alta da Selic, mas o Fed deve entregar mais 2 pontos de alta até o primeiro trimestre do ano que vem. Portanto, o diferencial de juros já não está mais no ponto máximo, está caindo e tende a cair mais. E juro afeta moedas, porque o capital flui para os EUA.
O cenário justifica expectativa de corte mais rápido da Selic?
É extremamente prematuro falar em corte de juro. Apenas no mês passado, a inflação caiu de dois dígitos para 8,7% e caiu por redução de imposto sobre os combustíveis, o que é inflacionário por ser um estímulo fiscal que vira mais dinheiro nas mãos das pessoas. Além disso, as medidas de núcleo, que excluem preços mais voláteis, orbitam muito acima da meta de inflação. E com a economia crescendo a 4% ou 5%, sem sinal de desaceleração, não vejo como vislumbrar corte de juro no curto prazo.
“Com a economia crescendo a 4% ou 5%, sem sinal de desaceleração, não vejo como vislumbrar corte de juro no curto prazo”
A Selic fica estável na próxima reunião do Copom?
O BC não deve subir a Selic e não deve falar em encerrar o ciclo, e sim, pausar o ciclo de alta para ver os efeitos sobre a inflação e se serão necessários ajustes da taxa no futuro. As condições são extremamente preocupantes para o controle da inflação ao nível da meta. O Copom disse no último encontro que poderia vir um aumento de zero ou 0,25 ponto percentual nesta reunião de setembro. Portanto, se a taxa for mantida em 13,75%, o comitê estará seguindo seu plano de voo. Mas, desde o último Copom, a atividade andou. E a projeção do próprio BC para o PIB deve subir.
A política fiscal e a mudança de governo a partir de janeiro de 2023 é relevante para o seu cenário?
É extremamente importante e sensível e o BC vem chamando atenção para isso também. A esta altura do campeonato, o teto de gastos vai ser, no mínimo, modificado ou totalmente alterado. A dúvida é qual vai ser a nova âncora fiscal porque, pelas promessas de campanha dos principais candidatos à eleição, não é só isso. A pandemia levou a uma necessidade de ampliação de programas sociais que dificilmente o governo vai querer consumir seu capital político e retirar isso no início do ano que vem. E essa decisão colide com o teto de gastos.
O teto de gastos continua sendo extremamente importante?
Ele é importante, mas não é uma panaceia. Mexer no teto é um ponto muito delicado, mas que não significa que não teremos sucesso no final. Qualquer que seja a âncora fiscal, ela tem que ser transparente, crível para os investidores e deve ser perseguida e não alterada todo ano. Além disso, não pode alterar a trajetória da dívida pública. Isso é crucial.
Isso vale para quem quer que seja eleito…
O ponto central é que, seja eleito Lula ou Bolsonaro, vai ter aumento de gastos em relação ao que o teto estabelece. Até consideramos que o gasto será maior via Lula do que Bolsonaro.
E como minimizar o impacto nos mercados?
Se ficar estabelecido que o aumento de gastos será financiado via aumento de impostos, a trajetória de dívida tende a ser alterada bem menos. Se é que será alterada. Nesse caso, a tendência é de menor impacto sobre os preços de ativos. Este é o nosso cenário base. Achamos que é mais provável a vitória de Lula e ele é um pragmático, sabe da importância de ancorar as expectativas e não vai querer chegar desestabilizando a taxa de câmbio que seria inflacionária. Se ele quiser aumentar gasto terá que fazer isso com mais impostos, seja via reforma tributária, tributar dividendo ou reduzindo benefício tributário.
E se Bolsonaro ganha? Há um cenário alternativo?
A gente só pode ter um cenário quantitativo. E como consideramos que Lula é o candidato mais provável de vencer as eleições, traçamos este cenário base. Mas já pensamos que, se a vitória for de Bolsonaro, o aumento de gastos em relação ao teto deve acontecer também, talvez numa magnitude um pouco menor. E isso significa que um ajuste via tributos também seria menor. O ponto principal é que o mercado é agnóstico quanto a governo. O mercado olha para a política econômica. E o calcanhar de Aquiles para os preços dos ativos é, portanto, a âncora fiscal, seja quem for o próximo presidente.
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