ARTIGO: Um debate para livrar o País da maldição dos juros
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Quase que por acaso, já que resulta apenas da conveniência política em período pré-eleitoral, o Brasil deverá contar em 2023 com um programa de renda mínima que nunca vimos em tempos normais – a exceção foi durante a pandemia, em 2020.
Estima-se que em 2023 algo como R$ 150 bilhões sejam gastos no Auxílio Brasil, ou qualquer que seja o nome que o programa venha a ter no próximo ano. Isso equivale a algo como 1,4% do PIB, praticamente o mesmo que se gastou com a Covid-19 em 2021 e cerca de cinco vezes mais do que era a despesa com a Bolsa Família em 2018.
É claro que será necessário encontrar espaço no orçamento, mas já sabemos que as amarras são frouxas e dá-se um jeito. Também será necessário reconstituir o Cadastro Único, sem o que o programa perde muito de sua eficácia. Mas parece certo a essa altura que haverá um programa de renda básica de grandes proporções.
O impacto desse novo programa na desigualdade, no entanto, será mitigado por uma outra transferência, ainda mais generosa, que beneficiará com especial zelo os muito ricos. Nas atuais circunstâncias da política econômica, o estoque de ferramentas para combater a inflação é reduzidíssimo e se limita à elevação dos juros.
Como se sabe, a inflação que nos abate hoje tem origem na combinação, um tanto rara, de forte aumento no preço internacional das commodities e significativa desvalorização cambial. Para piorar, também as condições climáticas no Brasil foram desfavoráveis. O resultado dessa perversa sincronia foi um IPCA anualizado de 12,1% em abril de 2022, o mais alto desde outubro de 2003.
A utilização da política monetária nessas condições é pouco eficaz, como todos sabemos. Mas é o que temos. Os mais devotos entre os ortodoxos lembrarão que os juros altos podem sinalizar a intolerância do Banco Central à inflação, com o que o ritmo de crescimento dos preços arrefece.
Mais fácil é acreditar que juros altos reprimem a demanda, e, portanto, seguram na marra os preços, mesmo quando a economia não está aquecida. Como nesses casos a eficácia da política monetária é diminuta, essa estratégia demanda a manutenção de juros muito altos por muito tempo.
As distorções que daí resultam são imensas. Afora a queda do emprego e da renda (o que não é, a rigor, uma distorção, porque esse é exatamente o objetivo), juros altos inibem investimentos, como ensinam os livros textos de Economia. O impacto mais sério, no entanto, recai sobre a distribuição de renda. Juros altos significam, claro, que quem é credor ganha e quem é devedor perde.
Grandes investidores são naturalmente beneficiados, já que podem auferir ganhos mesmo que não queiram correr riscos. Tomando como referência os dados da Anbima, os clientes “Private” detém recursos da ordem de R$ 1,8 trilhão. Isso significa que, apenas mantendo os recursos em papéis públicos de curto prazo, a remuneração financeira deve superar os R$ 230 bilhões em 2023.
É como se houvesse distribuição de dinheiro por helicóptero, mas apenas sobre os bairros mais ricos. Na condição de grande devedor da economia, o governo federal perde muito, o que afeta a relação dívida/PIB e causa tremeliques no mercado financeiro. A despesa financeira do governo federal em 2023 deve superar R$ 650 bilhões. É tudo muito ruim. Mas, afinal de contas, existem alternativas ao uso exclusivo da política de juros altos no combate à inflação?
Certamente sim. Há vestais no mercado financeiro que franzem o senho para tudo que parece diferente (o que chamam pejorativamente de heterodoxia), mas o fato é que as principais economias do mundo lançam mão rotineiramente de medidas complementares de combate a inflação que mitigam a necessidade de choque de juros.
Cinco exemplos, não exaustivos, podem ilustrar essa ideia:
1)Completar a desindexação da economia, uma tarefa ainda inconclusa quase trinta anos após o sucesso do Plano Real. O grau de indexação entre nós é ainda muito elevado, o que torna a inflação mais pegajosa e seu combate mais oneroso;
2)Intervenção por parte do Banco Central na curva de juros através de operações de longo prazo, prática comum em outros países que aumenta a potência da política monetária e dirime a necessidade de elevação das taxas básicas;
3)Adotar o núcleo da inflação como meta. Mirar o núcleo pode liberar o Bacen de elevar juros se considerar que estamos diante de choques de oferta passageiro;
4)Coibir a volatilidade do câmbio. O Bacen pode atuar de forma mais eficaz na redução das oscilações cambiais, o que não se confunde com câmbio administrado;
5)Lançar mão de estoques reguladores para suavizar a volatilidade de preços agrícolas, prática internacional muito comum que deixamos de utilizar em anos recentes (os estoques foram praticamente zerados).
Nada disso é simples, nada é fácil, nada é isento de contraindicações. Mas, se quisermos avançar na agenda de combate à inflação, é fundamental que tenhamos disposição de abrir um debate amplo a respeito de alternativas que possam nos livrar da maldição dos juros altos.
Luís Eduardo Assis é Economista, foi Diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP. É autor de “O Poder das Ideias Erradas”, Ed. Almedina
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