A consagração internacional de Roberto Loeb, o arquiteto que projeta fábricas e utopias
[ad_1]
Roberto Loeb construiu sua carreira projetando grandes plantas corporativas e industriais para empresas como Santander, Mckinsey, Ericsson, Natura, GP Investimentos, Goldman Sachs, ThyssenKrupp e Danone. Fez residências, representou o Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza, desenhou o Centro de Cultura Judaica (hoje Unibes Cultural) e o novo Cine Belas Artes (ambos em São Paulo). Mas é nos projetos voltados ao social e pela vocação pública que realmente enxerga seu legado.
Seja na criação do padrão do sistema Poupa Tempo, no Parque Heliópolis a ser entregue à população ainda este ano ou no Instituto Anchieta Grajaú fundado há 28 anos com amigos na região de Capela do Socorro, na cidade de São Paulo, para abrigar crianças em estado de risco e criar um modelo de recuperação das periferias. “Qualquer desafio me inspira. Mas a grande oportunidade que aparece no Brasil é trabalhar com as pessoas mais desfavorecidas, criando soluções criativas e interessantes de habitação”, diz ele.
Aos 81 anos, o arquiteto de veia urbanística acaba de receber o prêmio IAI Global Design, um dos mais influentes e prestigiosos da China e do mundo, na categoria “Lifetime Achievement Award 2021-2022”. A mesma que, em 2016, foi dedicada à arquiteta iraquiana-britânica Zaha Hadid. “É muita satisfação ser reconhecido pelo que gosto de fazer. Vou continuar a fazer o que puder. A melhor realidade é a utopia que provoca tanto que vira realidade”, afirmou ele em entrevista exclusiva ao NeoFeed.
Formado em 1965 pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie, onde chegou a lecionar, ainda mantém o hábito de pensar correndo o grafite no papel (hábito que aprendeu a valorizar com Rino Levi) antes de recorrer ao computador. “A mão é uma espécie de ligação direta com a criação. Henry Miller dizia que a criatividade é como uma torneira fechada há muito tempo. É preciso deixar aberta, jogar muito papel fora, para sair a ferrugem e depois vir água limpa”, explica, parafraseando o escritor americano.
Ainda ativo e dividindo o tempo entre o home office e o escritório LoebCapote, onde tem como sócios Luis Capote, Damiano Leite e Chantal Longo, da nova geração, prepara-se para entregar até o fim do ano a nova loja da joalheria Frattina no shopping Iguatemi SP, ver finalizada a obra do Parque Heliópolis, projeto que contará uma fábrica de cultura para aulas de música, ballet, moda e desenho, circo, teatro de orquestra que se abrirá para o verde, quadras e academias ao ar livre em mais de 78 mil m².
À frente do Instituto Anchieta Grajaú, ele segue sonhando com a transformação social por meio de uma arquitetura humanizada. Com diversas parcerias, a ONG que hoje atende mais de 600 crianças com ações assistenciais, culturais, esportivas e sócio-educativas, encabeça a luta burocrática para transformar o assentamento ali criado a partir de uma invasão em 2013, em bairro formal. Leia a seguir outros trechos da entrevista:
Seu trabalho sempre foi muito diversificado, não só em relação aos segmentos de atuação como ao traçado. Qual seria sua assinatura?
Sou absolutamente contrário a essa imagem carimbada do trabalho do arquiteto. Essa necessidade de estilo, de repetição, é de uma cultura estranha à nossa, embora tenhamos uma pessoa excepcional como Oscar Niemeyer, cujas obras você reconhece facilmente. Mas minha abordagem não é a busca por um desenho específico, mas o desafio da inovação, de criar uma função ou forma de sucesso que acolha as pessoas de acordo com o momento, o espaço, os recursos, a cultura local para chegar a algo novo que tenha a identidade dessas comunidades ou empresas.
“Minha abordagem não é a busca por um desenho específico, mas o desafio da inovação, de criar uma função ou forma de sucesso que acolha as pessoas de acordo com o momento, o espaço, os recursos”
Poderia nos dar um exemplo?
Quando criei o sistema de atendimento do Poupa Tempo, pensei em como atender pessoas que não sabem ler, ou que têm filhos e não podem deixar em casa. Então colocamos sinalizações com cores no piso para facilitar o entendimento, uma creche, lojas com cabines fotográficas e fotocopiadoras para quem precisasse completar os documentos e algo que para mim era fundamental, eliminamos o balcão para atender na mesa, para que os dois lados se comuniquem no mesmo nível. Meu trabalho conceitual tem a ver com a nossa cultura. Talvez em outras não faça tanto sentido.
Falta diversidade e inclusão na arquitetura?
Temos em São Paulo pessoas de diferentes origens e culturas, mas elas chegam aqui e são praticamente homogeneizadas. Me preocupa porque se perde muito a identidade do país. É uma pena que tanto estímulo não seja aproveitado. Mas têm arquitetos contemporâneos que têm uma visão mais brasileira. O Fernando Brandão, por exemplo, tem um projeto para que arquitetos e estudantes adotem escolas públicas e coordenem qualquer tipo de mudança ou reforma a fim de levar mais identidade a esses locais.
“Temos em São Paulo pessoas de diferentes origens e culturas, mas elas chegam aqui e são praticamente homogeneizadas. Me preocupa porque se perde muito a identidade do país”
Como começou esse olhar para as pessoas mais vulneráveis?
Meu pai era joalheiro formado em Belas Artes, em Budapeste, e veio para o Brasil pouco antes da guerra estourar. Meus avós maternos vieram da Ucrânia para fugir do antissemitismo. Fora pessoas que lutaram muito e por isso tinham total identificação com os mais pobres. Por isso o desejo de usar seus conhecimentos em função de um país melhor sempre foi uma missão. E tenho certeza de que é possível, porque já fiz. Ainda que dentro dos limites que me foram postos.
E como despertar essa sensibilidade e interesse em outras pessoas, até mesmo para gerar mais recursos para estes projetos?
Quando você categoriza muito as pessoas perde a chance de provocá-las. Se tratar o empresário só como empresário esquece que ele também tem família, tem interesses, então procuro envolvê-los nos projetos para que as oportunidades se abram. Acabei de projetar um campo científico e administrativo para a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, em Araxá (MG), por exemplo. São vários edifícios em quase 40 mil m2. Foi um processo no qual eles estavam tão envolvidos que se criou uma amizade. Hoje eles são patrocinadores do Instituto Anchieta.
“Se tratar o empresário só como empresário esquece que ele também tem família, tem interesses, então procuro envolvê-los nos projetos para que as oportunidades se abram”
As empresas chegam demandando esse atributos sustentáveis nos projetos?
Ser sustentável hoje dá prestígio e dinheiro, têm escritórios especializados em ESG e parâmetros sérios. Não é uma coisa ingênua, só usar material reciclável ou fazer uma pintura legal. É um ganho. Eu e a maioria dos arquitetos já usava o sistema ainda que sem dar esse nome. No Centro de Pesquisa e Tecnologia da Mahle (Jundiaí/SP – de 2008), por exemplo, não movi 1 m3 de terra. Ao contrário. Em vários espaços internos deixei a terra do talude exposta com uma luz especial. Garanti muita entrada do sol para reduzir a iluminação artificial e fiz um lençol de água de 30 cm na laje, ao invés de concreto impermeabilizado, que resfriou naturalmente o ambiente interno. Mas sustentabilidade vai muito além disso.
O que mais inclui?
Envolve atender a cultura e as necessidades das pessoas, as questões climáticas, reduzir o tempo construtivo, o custo, inclusive o ambiente e os relacionamentos dentro da obra. Arquitetura não pensa só na beleza, ela é funcional. Envolve até mesmo logística.
A assinatura de seu escritório de arquitetura é “voltado a resolver problemas complexos”. Em qual problema complexo gostaria de se envolver no momento?
Procuraria interferir ao redor dos muros da prosperidade centro da cidade. Adoraria fazer um trabalho de reurbanização de toda a região de Capela do Socorro através de uma rede de transporte coletivo. Até já fiz um projeto utópico muito discutido que seria uma rede de linhas de metrô aéreo conectadas a hospitais, universidades, escritórios. O metrô subterrâneo foi criado na Inglaterra para a classe trabalhadora não incomodar os nobres. Aqui poderíamos fazer tudo em grandes alturas, que evitaria desapropriações, não exigiria fazer grandes interferências na paisagem, permitiria às pessoas ver o sol nascer ou a chuva enquanto se deslocam, e ainda seria muito mais barato do que debaixo da terra.
“Adoraria fazer um trabalho de reurbanização de toda a região de Capela do Socorro através de uma rede de transporte coletivo”
E qual a viabilidade disso?
Tudo é possível se existe sonho e vontade política. Com o tempo descobri que todas as pessoas são sensíveis ao estímulo e se você traz uma narrativa estimulante as pessoas começam a se movimentar. Como aconteceu com a ponte Ponte Friedrich Bayer. (Também conhecida como ponte Vitória Régia, foi instalada em 2013 na confluência do rio Pinheiros com um canal da represa de Guarapiranga, ligando a estação Santo Amaro da CPTM ao bairro do Socorro, em São Paulo). O projeto inicial, feito internamente pela Bayer estava orçado em R$ 30 milhões e eles estavam desistindo. Mas acabou saindo em apenas 40 dias, por R$ 6 milhões, com o novo projeto que propus.
Pode citar outros projetos acessíveis para resolver questões coletivas?
O Poupa Tempo e o projeto do edifício São Vito (hoje demolido) são bons exemplos disso. Gosto muito desses desafios conceituais. Minha colaboração pode ou não sair do papel, mas pensar e criar junto com as pessoas me dá grande prazer. Já apresentei alguns projetos para o alargamento da avenida Santo Amaro e para criar uma espécie de território livre de impostos no Centro, para atrair mais jovens moradores. Mas o poder público achou muito utópico. Trabalhar nesse sentido é interessante e também um pouco frustrante porque bate na realidade e você acaba vendo os limites dos seus desejos e da sua criação.
A pandemia trouxe o home office para uma nova realidade. Como a arquitetura se encaixa nesse novo cenário?
O mercado imobiliário começa a se organizar para atender demandas de home offices, com espaços mais integrados e estrutura para a prática de exercícios. Mas há um caminho a ser trilhado. Agora, os grandes edifícios de escritórios que estão vazios também podem ser transformados em habitação com novos sistemas de hidráulica e elétrica, e fazendo uma reciclagem sustentável da personalidade do edifício. Mas para isso você tem que romper o pensamento mais convencional e conservador e entender que o grande sucesso é o uso misto.
A população do mundo todo está envelhecendo. As cidades e urbanistas têm se preparado para acolher essa população?
Existe um descompasso entre o público e o privado nessa questão que ainda não foi superado. No privado o cuidado é muito só em cima das regras de acessibilidade e não com a criação de ambientes acolhedores. Enquanto a urbanidade é ruim porque as calçadas são estreitas e intransitáveis. Se houvesse uma compensação para o privado cuidar também da calçada poderia funcionar bem. Mas ainda é uma decisão muito cartorial, muito rígida. Tem muita gente interessada em manter esse status.
[ad_2]